Arquivo para abril, 2008

Giroux e o “Segredo”

Posted in Uncategorized on 28 de abril de 2008 by Eduardo Luedy

Estava sem inspiração para escrever algo de interesse, algo que julgasse relevante, para este blog. Foi quando me deparei com esta passagem, escrita por um dos meus intelectuais prediletos, Henry A. Giroux:

“Na medida em que a cidadania se torna mais privatizada, e os estudantes são cada vez mais educados para se tornarem sujeitos consumidores em vez de sujeitos sociais críticos, torna-se completamente imperativo que os educadores repensem a maneira como a força educacional da cultura opera para garantir e resistir a identidades e valores particulares” (Giroux, 2003, p.85).

As palavras de Giroux me parecem traduzir situações educacionais que são óbvias demais. Tão óbvias que já não nos parece fazer sentido algum contestá-las. De fato, o consenso em torno da maneira como concebemos a educação escolar – basicamente uma plataforma para que nossos estudantes possam competir mais efetivamente na busca por melhores posições no mercado de trabalho – já se encontra perfeitamente naturalizado para a maioria de nós, consumidores, de educação.

O restante do texto também vale a pena ser citado:

“Isso é especialmente importante quando a força da cultura dominante é definida por meio de sua submissão aos valores da economia, com sua ênfase na privatização e no evangelho da auto-ajuda, que funciona para enfraquecer as noções de bem público e de responsabilidade coletiva e colocar a culpa pela injustiça e pela opressão inteiramente nos ombros daqueles que são vítimas do infortúnio social” (Giroux, 2003, p.87-88).

Novamente: me chama a atenção a sagacidade de Giroux ao nos tornar problemático aquilo que já se faz tão “natural”: a privatização não deveria ser um caminho sem volta. A privatização da educação pode (e, de fato, tem) representado um esvaziamento do sentido de democracia participativa e crítica em nossa sociedade. E, o que mais me animou a citá-lo aqui, a menção aos pressupostos e às implicações conservadoras dos discursos da “auto-ajuda”. Principalmente no discurso educacional, este novo “evangelho” tem contribuído sobremaneira para realizar justamente aquilo que Giroux nos aponta: “colocar a culpa pela injustiça e pela opressão nos ombros daqueles que são vítimas do infortúnio social”.

Pois é. Acho que nunca gostei tanto de confirmar aquilo que eu já suspeitava, mas que não conseguia desenvolver de maneira tão clara. Assisti outro dia a uma cópia (pirata) daquele filme de auto-ajuda, O segredo”, e meu incômodo foi imenso, porque o livro homônimo e o filme parecem fazer enorme sucesso, parecem mobilizar um público amplo que encontra conforto para suas angústias existenciais. No entanto, a crença na “mentalização positiva” como solução para os males do mundo reifica a já conhecida e “natural” crença neo-liberal no sucesso individual. O lema é atingir o sucesso. E o “segredo” é que tudo isto depende da força dos bons pensamentos. O mundo ficará melhor assim. Obviamente, aqueles que fracassam, são aqueles incapazes de desenvolver bons pensamentos. Talvez não sejam até dignos de conhecer o tal “segredo”. O fato é que, através desta literatura de auto-ajuda, somos muito facilmente levados a acreditar que os infortúnios sociais devem ser creditados apenas às incapacidades individuais, ou à falta de maior empenho de cada um; nada que tenha a ver com um entendimento de que situações de opressão e injustiça social podem e devem ser compreendidas em função de relações desiguais de poder. No entanto, se há sofrimento no mundo, para os detentores d’O Segredo, tudo não passa de uma questão individual, de natureza privada.

Referência:

Giroux, Henry A. 2003. Atos Impuros: a prática política dos Estudos Culturais. Porto Alegre: Artmed.

Racismo

Posted in Sem categoria on 16 de abril de 2008 by Eduardo Luedy

Ha um texto muito intensamente bonito no blog de meu amigo Nelson Maca. Escrito com a paixão de sempre, denuncia o quanto o racismo por aqui (falo de Salvador, uma cidade negra!) ainda está longe de ser uma ficção.

Leiam o texto. Cliquem aqui.

Luedy

“Rock é rock mesmo”: um texto antigo sobre verdade e preconceito

Posted in Uncategorized on 16 de abril de 2008 by Eduardo Luedy

O texto a seguir foi publicado, em 2005, nos comments de um blog daqui da Salvador (ou criado a partir daqui), no qual eu costumava travar verdadeiras batalhas culturais (e que acho que me serviram de inspiração para escrever aquele outro post sobre crítica e preconceito). Para as tais batalhas, eu costumava levar meu cavalo-de-batalha preferido: o questionamento dos discursos, ou mais precisamente, dos pressupostos subjacentes às verdades que habitavam de maneira tranquila os discursos sobre música e arte. Principalmente a naturalização de certas “verdades” sobre música e “bom-gosto”.

O que, para tantos dos meus presumíveis “pares” – falo dos aficcionados por música popular em geral, e rock em particular -, era mesmo um cavalo-de-tróia. Frequentemente era tomado como um “Invasor”, ou como um “traidor” da causa da “boa música” e do “Rock” – este definido em termos daquilo que aqueles aficcionado assumiam como “boa música”. Claro que eu levava tudo muito à sério. Mas me divirtia à beça também.

Para uma melhor compreensão da dimensão da coisa, tecomendo a leitura dos comments ao meu texto (no blog ClashCityRockers). A reação violência ao meu texto é muito reveladora de como um certo grupo social (constituído em torno de certas práticas e gostos musicais) atribui valor à música e às artes e define-se muito também pela negação (muitas vezes violenta) a certos gêneros e práticas. Mas, sobretudo, são testemunhos da imensa importância que as práticas culturais e as atividades de lazer (também atreladas a tais práticas) assumem para tantos de nós.

Bem, segue o texto.

“Eu gostava muito de João Gilberto. Eu gostava muito. […] Passei dois anos na CBS como produtor de discos de Jerry Adriani, de Wanderléia, daquela coisa toda de iê iê iê. […] Foi uma vivência fantástica pra mim. Aprendi muito a comunicar. […] Bossa-nova era no Teatro Vila Velha. Era uma coisa bem separada mesmo. Existia um conjunto lá, a orquestra de Carlito, com Caetano e Gil. E existia os Panteras. Duas coisas completamente diversas. Mas no fundo eu acho que tava todo mundo querendo chegar à mesma coisa, era só problema de linguagem. […] Desde o tempo da Tropicália que a gente começou a ver que era isso mesmo, que todo mundo queria a mesma coisa. […] Acho que Caetano tá sabendo o que ele tá fazendo. Ele sabe exatamente. […] Eu acho que tanto Caetano como Gil, embora sendo trabalhos diferentes, são incríveis. […] É claro, porque eu sofri muito a influência de Caetano e Gil. Isso é óbvio. Porque eu cheguei fazendo aquela coisa meio hermética, foi Caetano que abriu, e Gil fazendo aquela coisa.” [Raul Seixas, novembro de 1973.]

“Eu quero mesmo é cantar iê iê iê/ eu quero mesmo é gostar de você/ eu quero mesmo é falar de amor/ eu quero mesmo é sentir seu calor”. [“Eu quero mesmo”, faixa do disco “o dia em que a terra parou” de 1977.]

As citações a Raul, daí de cima são de paquito. Ele havia me dito que iria mandar um trecho de uma entrevista de raul que servisse de contraponto aos comentários ao texto que ele escreveu sobre a jovem guarda lá no blog http://www.rockloco.blogspot.com/ em 19 de julho de 2005).

Bem, ainda que atrasado, e ainda que deslocado – uma vez que a discussão deveria estar se dando no Blog do rock loco e não aqui [estava me referindo ao blog no qual postei o presente texto] – eu queria apresentar alguns argumentos meus aos debates.

Mas voltando à vaca fria: eu queria dizer que mais que o texto de paquito – que busca colocar o rock e a música pop brasileiras numa perspectiva histórica que é muitas vezes ignorada por estas plagas (rockloco, clashcityrockers) – foram certas observações contrárias ao seu texto que me animaram a escrever o que agora escrevo.

É que a gente percebe como na recusa de alguns ao direito de certas manifestações se abrigarem sob os rótulos “rock” e “pop”, como estes gêneros são compreendidos e definidos, Ainda que por exclusão. Ou seja, “rock não é isso”; “pop não é aquilo”.

De maneira geral, nos comentários discordantes ao texto de paquito, há uma bronca com definições consideradas espúrias acerca do que é pop ou rock. Assim, para alguns, tropicalismo não é nem nunca foi pop. Roberto Carlos e a jovem guarda não podem ser tidos como rock. No máximo um roque incipiente, um proto-rock, fruto apenas de nosso subdesenvolvimento. Nada a ver com a “essência” do que é o rock de verdade.

Deixem-me divagar um pouco acerca de nossas assertivas. Do ponto de vista linguistico-discursivo, estamos, enquanto sujeitos históricos, irremediavelmente implicados na descrição das realidades que buscamos descrever/compreender. O que implica dizer que não só não podemos dar conta de capturar a realidade em sua totalidade (que é muito maior e mais complexa que nossas capacidades interpretativas), como também nossas definições são contingentes – ou seja, relativas ao momento histórico, político, social em que nos encontramos.

Para muitos não há como escapar disso. Falo de poder separar a descrição lingüística da realidade de seus “efeitos de realidade” – o que não quer dizer que a gente não deva tentar, mas que deveríamos ser mais cautelosos com as nossas “verdades” e menos ambiciosos com o alcance de nossas definições totalizantes.

Ora, o problema de algumas das “verdades” que leio sobre rock e música pop reside justamente na crença de que podemos capturar e descrever a realidade à sua perfeição e, portanto, de maneira totalizante, atravessando tempos e espaços, chegar à sua essência. Além do que, devido a uma falta de rigor com as leituras históricas, algumas destas “verdades” muito freqüentemente terminam por excluir de suas definições tudo aquilo que não se enquadra na visão estreita e curta daqueles que a afirmam.

Assim, um dos “efeitos de realidade” mais curiosos que já encontrei por estas plagas (mais especificamente no clashcityrockers) foi um texto de Miguel Cordeiro sobre Raul Seixas. Miguel em seu texto “inventa” um Raul que lhe convém – um radical do rock que não “misturava”, fiel a uma identidade rocker . Um ideal de pureza e de radicalismo que se traduz naquela máxima: “rock é rock mesmo”.

A tal “pureza” defendida por Miguel é bastante contestável: não só o rock já havia nascido mestiço, como o próprio Raul misturou rock com baião, cantou canções românticas aboleradas, gravou com Gilberto Gil, com Jackson do pandeiro e seu regional (faixas antológicas), misturou rock com umbanda em “mosca na sopa” etc – tudo isso sem deixar de ser rock! O que para mim demonstra que o rock pode ser tudo o que fizermos dele (sem que precisemos de uma bula ou de uma carteira de identidade fixa para compreendê-lo).

Já no blog do rock loco, nos comments ao texto de paquito, me deparei também com outras “verdades” sobre rock, Raul e sobre música pop:

“Colé paquito. vai enganar outro. jovem guarda? samba? caetano? aproveite e faça um curso intensivão com o pessoal daí do rock loco para aprender o que é rock, ok?”

“O tropicalismo nunca foi pop e sim pretensão cabeçuda de uma improvável articulação margens do Subaé – PUC/SP. E Roberto Carlos, apesar de alguns discos iluminados, sempre quis mesmo ser cantor romântico”.

Negar aos tropicalistas o fato de terem feito música pop me deixa intrigado.

Alguns discos de Gil daquele período flertavam muito intensamente com o rock e com o pop. O disco de 1969 (o que tem Volksvagem Blues), assim como o Expresso 2222, são discos lindamente roqueiros e pop. O disco tropicalista de Gal [o que tem “objeto não-identificado”, “divino maravilhoso”- que já anunciava a genialidade de Jorge Ben, ao gravar dele, e com ele ao violão, “Ele já não gosta mais de mim (que pena)” ] é também um exemplo bem interessante das possibilidades de se fazer música pop no Brasil, naquele período. A faixa de abertura do disco Tropicália “geléia geral”, assim como as canções emblemáticas daquele período: “domingo no parque” e “alegria alegria” também são. Havia ainda os lances com os Mutantes. Aquilo tudo pra mim, ainda mais considerando o contexto histórico e toda a caretice da chamada MPB, tudo aquilo era saudavelmente transgressor e pop.

E quanto a Roberto e à Jovem Guarda, o que posso dizer, nesta minha perspectiva teórica, é que se era aquilo que tínhamos como rock, era rock o que tínhamos. Não acho mesmo que a JG esteja numa posição epistemológica inferior em relação à definição última do que é o rock – mesmo porque não acredito mesmo que esta definição exista.

Enfim, para não me alongar mais, queria dizer que mais que nossas “verdades”, mais que nossas pretensões em capturar o real do real, as coisas podem e são muito mais complexas. “Rock é rock mesmo” e muito mais. Que nos digam Chico Science e Nação Zumbi, Mutantes, Raul Seixas, Roberto e Erasmo.

Luedy

A resposta da Profa. Sonia Penin

Posted in Uncategorized on 6 de abril de 2008 by Eduardo Luedy

No post anterior, “Educando à direita“, mencionei a resposta da Profa. Sonia Penin, diretora da Faculdade de Educação da USP, às declarações da secretária de educação do Estado de SP, Maria Helena Castro. Pus o texto que me enviaram por e-mail, não sei ao certo onde ele foi publicado, mas os argumentos da Sonia Penin são bastante interessantes – principalmente por discutir as maneiras simplificadoras e simplórias das leituras dos dados relativos a avaliações institucionais e educacionais feitas por supostas autoridades educacionais. Bem, o melhor é ler o texto-resposta.

Segue o texto:

Em defesa das Faculdades de Educação e da Pedagogia

Os precários resultados, sistematicamente divulgados acerca do desempenho dos alunos da escola básica brasileira, evidenciam uma situação de tal gravidade que exige de todos os agentes e instâncias responsáveis pela educação um exame rigoroso de suas causas. Para esse exame, a análise radical e a crítica consistente são instrumentos indispensáveis para a busca de um diagnóstico preciso.

É, pois, com constrangimento e inquietação, que recebemos as declarações da Secretária de Estado da Educação de São Paulo, profa. Maria Helena Guimarães de Castro (Folha de S. Paulo, 25/02/08), propondo, de forma simplista, o fechamento de todos os cursos de formação de professores/ pedagogia, especificando os das Faculdades de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e da Universidade de Campinas (Unicamp). Afirmar medida tão radical com tão poucos elementos produz um deserviço só comparável com uma política de terra arrasada, incompreensível e inadmissível no atual momento brasileiro.

Imputar aos cursos de formação inicial as dificuldades que os professores hoje enfrentam no ensino dos alunos das escolas de educação básica é de uma ligeireza inaceitável por quem deveria, minimamente, considerar o cenário socioeconômico e cultural brasileiro/paulista , as mudanças ocorridas na contemporaneidade, assim como as especificidades presentes em organizações complexas como são os nossos sistemas de ensino.

É preciso lembrar que os governos (federal, estaduais e municipais), apesar de respeitáveis esforços localizados, não têm possibilitado a transformação radical que a realidade demanda, o que é claramente identificado pela baixa proporção da educação no Produto Interno Bruto (PIB).

Em segundo lugar, e a despeito do não-crescimento da educação no PIB, ocorreu, nesses últimos anos, um movimento positivo de aumento do acesso e tempo de permanência de grande parte das crianças na escola. Esse fenômeno trouxe como conseqüência uma mudança benfazeja no perfil médio do aluno da escola pública, incorporando praticamente todo o leque de diferenciação da população brasileira. Tal diferenciação, todavia, apresentou-se para uma grande parte dos professores como uma dificuldade a mais no ensino.

Terceiro, e paralelamente à mudança no perfil médio do alunado, as mudanças da contemporaneidade trouxeram novas demandas para o ensino, uma vez que não é trivial articular em cada escola as transformações globais com aquelas que se traduzem em âmbitos singulares. Essas mudanças, de ordem socioeconômica e cultural, são suficientes para indicar que, na profissionalizaçã o docente, como em qualquer outra, o diploma não é suficiente para assegurar a adequada inserção de um profissional no trabalho. Mais propriamente, fala-se em trajetória de formação, articulando- se a formação inicial e a continuada. O próprio modelo de formação continuada precisa ser repensado, pois o geralmente adotado, sob responsabilidade inclusive da Secretaria da Educação, não tem tomado a escola real e os problemas concretos do ensino como referências centrais.

Não considerando essas questões, assusta a forma como uma secretária de Estado desagrega espaços, instituições e pessoas e se coloca numa posição bélica contra todos os cursos de pedagogia. O que é mais constrangedor, a secretária se refere especificamente a duas Universidades brasileiras reconhecidas entre as melhores em nível internacional.

No caso da Faculdade de Educação da USP, a contribuição que tem prestado à educação paulista pode ser comprovada pelo volume e pela qualidade da pesquisa que realiza, pelas produções qualificadas (783 no último triênio), em grande parte publicadas em periódicos internacionais, e pela qualidade dos profissionais que forma, reconhecidamente competentes, críticos, muitos deles assumindo posições de liderança em diferentes instituições.

Supor que um curso de formação profissional em nível superior, como sugere a secretária, deva tratar das reais demandas das escolas sem um embasamento teoricamente rigoroso é temerário e fatal para o enfrentamento competente da problemática educacional brasileira atual e futura. O trabalho numa realidade complexa está condenado ao fracasso ou à mediocridade se não se apoiar numa análise teórica e historicamente consistente. Teoria e prática, articuladas, definem uma boa profissionalizaçã o, seja na formação inicial, seja na continuada. A prática no curso de pedagogia é principalmente viabilizada pelos estágios, que, na FEUSP, correspondem a 20% do currículo.

Tendo como missão formar pedagogos e professores competentes, críticos e socialmente responsáveis visando a melhoria da escolarização das nossas crianças e jovens, os profissionais desta Faculdade de Educação se propõem à interlocução sistemática e crítica com os diferentes atores que conduzem a educação brasileira.

Sonia Penin é professora titular e diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – USP

Educando à direita

Posted in Uncategorized on 6 de abril de 2008 by Eduardo Luedy

O novo post é sobre a entrevista que Maria Helena Guimarães de Castro, secretária de educação do estado de São Paulo deu à revista Veja [edição de 13 de fevereiro de 2008, n. 2047]. Seus pressupostos conservadores e suas implicações reacionárias caracterizam bem aquilo que podemos chamar de “educação à direita” [a menção ao livro de Michael Apple, Educando à Direita (2003), é intencional].

Devo mencionar que tomei conhecimento da tal entrevista a partir do texto-resposta de autoria da profa. Sonia Penin [diretora da Faculdade de Educação da USP], contra as declarações da secretária, que me enviaram por e-mail. A partir daí, busquei localizar na internet a entrevista da secretária. Minha primeira busca, contudo, conduziu-me ao blog do nosso ex-ministro da educação (e atual deputado tucano) Paulo Renato de Souza.

A leitura do que ele escreve não deixou de ser interessante, uma vez que Paulo Renato exulta com o discurso da secretária – uma entrevista, segundo ele, “de encher os olhos”. Vejam um trecho:

“De forma cáustica, ela [a secretária] mostra que prevalece um tipo de curso de pedagogia teoricista e sem vínculo com o mundo real das escolas públicas. Prioriza-se o discurso ideológico sobre o papel transformador do ensino, mas não se ensina aos futuros professores os aspectos básicos da didática […]. Por este caminho, as faculdades de Educação podem estar formando bons humanistas, mas não necessariamente professores aptos para sua missão de ensinar aos alunos” [grifos meus].

Não deveria estranhar que o entusiasmo do Paulo Renato, ao exortar a “belíssima entrevista” da Maria Helena Guimarães de Castro, não atentasse para (e nem lamentasse) o fato de que a secretária houvesse diminuído a carga horária das humanidades nas escolas de educação básica de São Paulo [através da Resolução nº 92/07, da Secretaria de Educação do Estado, que veta a obrigatoriedade do ensino da disciplina sociologia aos estudantes de escolas públicas]. Filosofia e sociologia, nesta perspectiva tecnicista, são luxos desnecessários – tanto para a formação de professores quanto para a formação de nossos alunos e alunas da Educação Básica – uma vez que o que importa, no final das contas, parece mesmo ser a preparação para o “mundo do trabalho”.

Não deveríamos nos espantar, tampouco, se o ex-ministro endossasse a defesa que a secretária faz da centralização dos currículos escolares – a serem elaborados por autoridades mais competentes do que os professores e professoras das escolas brasileiras, certamente.

Mas é preciso dar voz à secretária. Vejamos um trecho que colhi de sua entrevista à Veja:

“Num mundo ideal, eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero. Isso porque se consagrou no Brasil um tipo de curso de pedagogia voltado para assuntos exclusivamente teóricos, sem nenhuma conexão com as escolas públicas e suas reais demandas. Esse é um modelo equivocado. No dia-a-dia, os alunos de pedagogia se perdem em longas discussões sobre as grandes questões do universo e os maiores pensadores da humanidade, mas ignoram o básico sobre didática. As faculdades de educação estão muito preocupadas com um discurso ideológico sobre as múltiplas funções transformadoras do ensino. Elas deixam em segundo plano evidências científicas sobre as práticas pedagógicas que de fato funcionam no Brasil e no mundo” [grifos meus].

Para a Maria Helena, que imputa aos professores a responsabilidade pela “precariedade” de nossa situação educacional, a solução para todo este cenário reside na didática – bem entendida, aquela que se concebe a priori e que deve funcionar in abstracto. Aliás, a própria pedagogia deve ser compreendida como uma técnica de ensino aplicável, também in abstracto, independentemente de contexto, “no Brasil e no mundo”. Dimensões políticas e ideológicas de tais práticas não deveriam ser assunto dos cursos de formação de professores. [Não é uma maravilha perceber como um discurso que se pretende eminentemente técnico, neutro e desinteressado revela seus contornos ideológicos?]

Outra coisa que chama a atenção em seu discurso é a menção a “reais demandas” da educação pública. A secretária afirma que estas deveriam ser prioridades para as políticas educacionais. Nesta perspectiva tecnicista, que crê na importância de se diminuir a teoria para aumentar a eficiência, as “reais demandas” só podem e só devem ser compreendidas pela ótica daqueles a quem é dada a autoridade e, consequentemente, o direito de defini-las como “demandas reais”. Em outros termos, a “realidade” das demandas pertence àqueles que detém maior poder material e simbólico em nossa sociedade.

Toda esta minha bronca, contudo, para com o discurso conservador da secretária pode parecer uma bobagem inútil, dada a crença (quase) hegemônica na importância da eficiência técnica, na maximização econômica e no discurso da competência e da competitividade.

Refiro-me, aqui, à defesa de que, ao contrário do que diz a secretária, nossos discursos e ações pedagógicas sejam desenvolvidos no interior de práticas sociais concretas, cujas “reais demandas” sejam situadas e compreendidas de maneira dialógica, atenta às expectativas, pontos de vista e experiências culturais e sociais daqueles a quem buscamos destinar nossos projetos políticos-pedagógicos.

Refiro-me também à necessidade de se resistir à tentativa de reduzir a pedagogia a mero treinamento e, consequentemente, à homogeneização e alienação de nossos alunos e alunas – hoje convencidos de que devem preparar-se apenas para competir e conquistar uma vaga num “mundo de trabalho” extremamente excludente e injusto para a maior parcela de nossa sociedade.

No entanto, o que nos resta, então? O que faremos para além de constatar este movimento à direita – que se assoma a nós, hoje, como algo inevitável – em educação? O que nos resta quando constatamos não só o quão insidioso este discurso reacionário é para tantos de nós, mas também o quão inescapável parece ser o consenso em torno dele?

As respostas podem ser múltiplas (e me agrada que, de fato, elas assim possam ser), mas, quaisquer que sejam, elas me parecem quase sempre fracas para modificar o quadro geral em que nos encontramos.

Encerrar o post assim de modo tão melancólico, apenas talvez me comprazendo por não gostar de fazer parte disso, por poder ter assunto para manifestar minha diferença e minha revolta, acreditem, mais me angustia do que anima. Principalmente porque não sei como propor algo de concreto que possa reverter esse movimento. Conseguiremos algum dia?

Eduardo Luedy

ps. Há uma análise bem interessante do discurso da Maria Helena Castro Guimarães, feita pelo Paulo Ghiraldelli Jr., e que se encontra em seu blog.

ps2. para quem quiser saber um pouco mais sobre a resolução que veta a obrigatoriedade do ensino de sociologia e filosofia nas escolas públicas de São Paulo, leia o blog do Ivan Valente [e assine o manifesto contrário à tal resolução].

ps3. para quem quiser se assombrar com o discurso de direita, ou apenas se comprazer em verificar como os argumentos de certas autoridades em educação merecem ser desautorizados, simplesmente porque são argumentos primários demais para serem verdadeiros [e eles são!], leia o blog do Simon Schwartzman. Mas não deixe de ler, nos comentários, a contra-argumentação muito bem fundamentada de um rapaz chamado Leonardo Barbosa e Silva – algo que nos anima verdadeiramente.

A referência ao trabalho de Apple é:

Apple, Michael. Educando à direita. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire, 2003.