Nossa miséria cotidiana

Posted in Uncategorized on 29 de janeiro de 2010 by Eduardo Luedy

CICLISTA ATROPELADO

Notícia colhida do Bikebbok.com, por sua vez reproduzindo nota enviada pelo grupo ITAPAGIPE É DO PEDAL:
“Vimos mais uma vez chamar a atenção das autoridades, para o fato dos motorista de veiculos automotores não respeitarem o direito do ciclista de trafegar nas vias da cidade, o que é assegurado por lei.
Desta vez a vítima foi o ciclista ALMEIDA, do grupo ciclistico Itapagipe é do pedal, que ao trafegar com sua byke pela av. Fernandes da cunha, em frente ao banco do brasil, foi colhido pelo taxi de placa JRY-7794, alvará 5396, no dia 11/01/2010 ás 09:00hs. Vinha Almeida com sua byke encostado ao meio fio, do lado direito da pista como manda o regulamento e, logo atrás um ônibus da empresa Praia Grande placa policial JKZ-0228, sendo que o taxista ultrapassou o ônibus pela pista da esquerda e entrou bruscamente para a direita, tentando entrar numa rua transversal alí existente, colhendo a bicicleta. Logo que viu que tinha atropelado a bicicleta, o mesmo desistiu de entrar na transversal e empreendeu fuga deixando o cilista no asfalto, tendo o onibus passado por cima da bicicleta, não passando por cima do ciclista por milagre, e pelos gritos dos passageiros o motorista do onibus conseguiu parar antes que esmagasse as pernas do ciclista, tendo dado socorro ao mesmo.
A byke avariou totalmente o coxin, quadro, as rodas, os freios, pedais, guidon, cambio, ou seja: perda total, e o ciclista Almeida ficou com escoriações por todas as partes do corpo, dando graças a Deus por não ter sofrido nenhuma fratura.
É preciso que as autoridades tomem providencias no sentido de educar os proprietarios e condutores de veículos, pois todos os dias estão acontecendo esses tipos de acidentes, vitimando nossos ciclistas muitas vezes fatalmente.
Os paises mais desenvolvidos do mundo utiliza a bicicleta como meio de transporte, porque aquí as autoridades não tomam conhecimento desses fatos e deixa de fazer vistas grossas? E nossas ciclovias? Precisamos nos levantar quanto a isso, e nos unir para que alguma coisa seja feita com urgencia.”

Um texto sobre a questão da demarcação de terras indígenas

Posted in Uncategorized on 24 de maio de 2008 by Eduardo Luedy

Pessoal, não resisti. Me enviaram o texto abaixo por e-mail. É de um professor chamado José Ribamar Bessa Freire. Ele é da área de letras, mais especificamente, de acordo com o seu currículo Lattes (sim, eu fui lá conferir), é professor do programa de pós-graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio). Também coordena o Programa de Estudos dos Povos Indigenas da Faculdade de Educação da UERJ e ministra cursos de formação de professores indigenas em diferentes regiões do Brasil.

Esses prolegômenos todos e toda essa remissão ao seu status acadêmico, contudo, não fariam sentido algum se o que ele escreve não fosse tão interessante e tão pertinente em termos de uma resistência à avalanche de informações reacionárias (ou problemáticas, de acordo com perspectivas que julgamos, digamos assim, mais progressistas ou democráticas) que a mídia televisiva principalmente nos empurra goela abaixo.

Em outro post, em tinha lembrado do Public Enemy: “don’t believe the hype”. Pois é, a gente tem que desconfiar das imagens e dos significados que a mídia dominante nos têm apresentado. É aquela velha história, os interesses de grupos economicamente poderosos têm pautado matérias e, mais que isso, têm feito valer seus pontos de vista. A gente precisa, pois, encontrar textos que nos mostrem outros pontos de vista. Mais que isso, a gente precisa dar voz a representantes de outros segmentos sociais, muitas vezes desprovidos de agência e de poder.

Pois bem, para aqueles que me criticam, e que têm me chamado – não sem um traço pejorativo – de “marxista”, por essa minha insistência em me ater aos “frascos e comprimidos” – como se fracos e oprimidos não existissem para além das nossas construções discursivas! Como se tudo fossem textos! – eu gostaria de recomendar o texto abaixo. [Devo dizer que há outros textos do professor Bessa Freira, mas esse eu achei mais pertinente, devido ao momento, digamos assim, midiático da questão]

Bem, mas deixemos de tantos prolegômenos: estou irritado com a maneira com a mídia televisiva vem tratando a questão indígena no Brasil. Outro dia foi o Arnaldo Jabor que do alto de sua gigantesca plataforma global (estou me referindo ao telejornal daquela emissora), emitiu umas opiniões pra lá de reacionárias acerca da política nacional de demarcação de terras indígenas, mais especificamente na Serra Raposa do Sol.

Pois bem, encontrei um texto de um professor, um especialista no assunto, um “intelectual público”, para a usar a expressão tão cara a Giroux, alguém que não dissocia a teoria da práxis, e esta de um compromisso para com uma democracia crítica e solidária – podem me xingar a vontade de marxista ou de madre tereza, eu não ligo. Em tempos de reacionarismo violento, em que imagens televisas reforçam a noção de índios selvagens, bestas-feras a serem reprimidas, e de intelectuais que tentam nos convencer de que não há fracos e oprimidos, mas apenas construções discursivas que os erigem como tal, e de acordo com nossos “desejos”, é preciso ler o que fala gente como o Bessa Freire. Segue o texto:

Taquiprati – Diário do Amazonas
José R. Bessa Freire – 20/04/2008

TAPAUÁ É MAIS EMBAIXO

Dona Lourdes Normando dava aula particular em sua casa, no Beco da Indústria, bairro de Aparecida, Manaus. Às sextas-feiras, dia de sabatina, ela sapecava bolos de palmatória em quem errava a tabuada. Um dia, em 1955, na prova oral de geografia, perguntou: – “Seu Bessa-Freire, qual o rio que banha a cidade de Tapauá?”. Era a primeira vez que eu ouvia falar em Tapauá nos meus sete anos de vida. Arrisquei: – “Rio Juruá”. Rimava. Mas não era a solução. Ela, então, me fez copiar duzentas vezes a frase: “Tapuá fica no rio Purus”. Fiquei com calos no dedo, mas nunca mais esqueci.

Lembrei do método de ensino da dona Lourdes nessa semana, quando li as declarações a O Globo do Comandante Militar da Amazônia, General Augusto Heleno. Ele aloprou. Criticou duramente o Governo, dizendo que a terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, demarcada por FHC em 1998 e homologada por Lula em 2005, constitui uma ameaça à soberania nacional, que “dar terras” aos índios em faixa de fronteira é uma ameaça à integridade nacional e blá-blá-blá, blé-blé-blé.

Foi apoiado pelo coronel Jarbas Passarinho, ex-ministro da Educação da ditadura militar, que na época, defendeu os acordos MEC/USAID, favoráveis à intervenção norte-americana na universidade brasileira. Mas agora, quando se trata de terra indígena, Passarinho vira ‘nacionalista’, fica macho pacas, e diz que Raposa Serra do Sol é uma “fronteira viva”, ocupada por fazendas produtivas, que sua demarcação ameaça a integridade nacional e bli-bli-bli, blo-blo-bló.

O chefe do Estado Maior do Leste, general Mário Madureira, vê o risco de os índios solicitarem a separação dessas terras do Brasil, como em Kosovo, e blo-blo-bló. O Clube da Aeronáutica publicou comunicado, subversivo e insolente, intitulado “Não recue, general Heleno”, onde lhe manifestou seu apoio “até às últimas conseqüências” e mandou recado a Lula: “Não se atreva, presidente, a tentar negar o sagrado dever de defender a soberania e a integridade do Estado brasileiro”. E blu-blu-blu.

No plano político, a oposição aproveitou. O presidente nacional do DEM (vixe, vixe!), deputado Rodrigo Maia, o ‘porquinho’, divulgou nota. Nela diz que seu partido, órfão da ditadura militar, é contra a demarcação e blá-blá-blá, ble-blé-blé, bli-bli-bli. O líder do PSDB, Arthur Neto, mais discreto, discordou que um militar da ativa fizesse pronunciamento de caráter político, o que é um gesto de insubordinação, mas concordou com o conteúdo do discurso.

Até o deputado Aldo Rebelo (PC do B) cometeu um artigo, no qual escreve que “a demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol foi um erro geopolítico do Estado brasileiro”. Jura que “chegamos ao paroxismo de tuxauas barrarem a circulação de generais do Exército em faixa de fronteira”. Termina, elogiando os bandeirantes, o esquadrão da morte anti-indígena e bló-bló-bló, blu-blu-blu. Os mortos da guerrilha do Araguaia tremeram em seus túmulos: “Foi para isso que morremos?”.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão inusitada, suspendeu a operação de retirada dos grileiros, ocupantes ilegais das terras indígenas, que resistem, armados, a uma ordem judicial. A partir daí, O Globo lançou campanha histérica de desinformação, berrando em manchetes que os índios querem decepar o Brasil. O editorial “Sandice Indígena” pontificou que “dar aos índios aquelas extensões de terras” é injustificável, porque significa a “desestabilização da agricultura local”.

Todos esses “defensores da Pátria” falam em “dar terras”, mas ninguém “deu terras” aos índios. A Constituição apenas reconheceu o direito de os índios usufruírem os territórios que ocupam milenarmente e que são propriedade da União. Eu disse: DA UNIÃO. Os índios não podem vender as terras, nem podem dá-las como garantia para uma transação comercial, porque elas não lhes pertencem, são propriedades da União, quer dizer, de todos nós. Um fazendeiro, sim, pode vender suas terras a estrangeiros e impedir a entrada do exército, porque afinal a propriedade privada é sua. Os índios não. Acontece que as oligarquias, aves de rapina, acham que o que é público lhes pertence, interpretam que podem se apropriar dos espaços públicos.

Em entrevista à Rádio Bandeirantes, desmenti Aldo Rebelo. Nenhum general – imagina! – pode ser impedido de exercer suas funções constitucionais em terras indígenas, porque elas pertencem ao Brasil. Falei que já existem bases militares dentro de todas as terras indígenas de faixa de fronteira, que muitos índios servem o Exército como soldados, que apesar dos jarbas e dos passarinhos, os índios se sentem também brasileiros. Contei que assisti jogo da Copa do Mundo numa maloca indígena, em tv alimentada por bateria de carro, e que os índios vibravam com os gols da nossa seleção.

– Como é que algumas centenas de índios, que amam o Brasil, armados de arco e flecha, podem ameaçar a soberania nacional? – perguntei ao radialista. Ele retrucou que alguns militares achavam que potências estrangeiras podiam manipular os índios (os fazendeiros não). Ponderei que, nesse caso, – hipotético – os militares deviam concentrar seu fogo contra essas potências – hipotéticas – e não contra índios indefesos, de carne e osso, e que, para isso, eu confiava nas Forças Armadas, que nos deu Rondon, corajoso, sensível e inteligente, defensor dos índios. Não existe nenhum argumento consistente que justifique expulsar os índios de suas terras. Por isso, o blá-blé-bli-bló-blu não se sustenta.

Por trás dessa orquestração, o que existe mesmo é a defesa de interesses particulares e não nacionais. Estão tentando confundir a opinião pública para justificar a usurpação de terras. Exigir que terras indígenas sejam – aí sim – “dadas” a fazendeiros significa privatizá-las, ou seja, entregar a alguns indivíduos as terras que nos pertencem. Guardiões das terras da União, os índios constituem uma garantia da soberania nacional, da biodiversidade e da sociodiversidade. Por que o usufruto pelos índios de terras que ocupam milenarmente ameaçariam a soberania nacional, e não assim a propriedade privada de fazendeiros, que inclusive possuem armas e poder de fogo?

Não foi FHC nem Lula que “deram” terras aos índios. Foi a Constituição de 1988 que reconheceu os direitos indígenas sobre as terras da União. Não é uma política de governo, é uma política de Estado. Rebelar-se contra isso é afrontar a lei maior do país. A lei existe para ser respeitada por todos, do contrário, vira bang-bang, faroeste, como aliás já está acontecendo em Roraima. Quatro arrozeiros se armam e desobedecem uma decisão que cumpriu todos os requisitos legais, num ato jurídico perfeito. O STF, ao recuar, estimula os grupos que reagem com violência contra a lei, quando ela fere seus interesses. Quem gritar mais alto, leva?

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, que chamou o general Heleno na catraca, declarou: “a questão está superada”. Superada é uma ova! Precisamos berrar a plenos pulmões que o que estão dizendo não é verdade: Tapauá não fica no Juruá. Não se pode desinformar, impunemente, as pessoas.

Proponho aplicar, sem a palmatória, o método da dona Lourdes obrigando todos aqueles que confundem a opinião pública a escrever mil vezes a frase: “as terras indígenas pertencem à União e não ferem a soberania nacional, as terras indígenas pertencem à União e não ferem a soberania nacional”. Criarão calos nos dedos, mas ficarão convencidos, se agem de boa-fé, daquilo que nós já sabemos: que Tapuá é mais embaixo.

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Um paraíso para pedestres

Posted in Uncategorized on 23 de maio de 2008 by Eduardo Luedy

Aos que leram o post abaixo, queria recomendar a leitura desta matéria sobre as medidas urbanísticas adotadas pelo ex-prefeito da cidade de Bogotá, na Colômbia, Enrique Peñalosa, que foi publicada pela Revista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID América) . Dá gosto de ver como outros países do chamado terceiro mundo nos apresentam lições bacanas de cidadania democrática.

Vejam um trecho da matéria:

“Os 20% mais ricos da população da cidade andam de carro”, diz Peñalosa. “As políticas de transporte destinam-se a aliviar o congestionamento de trânsito para esse pequeno segmento da população, criando mais pistas de rolamento para automóveis, que rapidamente ficam também congestionadas.” Nesse sentido, Peñalosa acredita que tais políticas são “essencialmente classistas”. “Nossas cidades no Terceiro Mundo são um reflexo dos piores aspectos de nossas sociedades — versões inferiores de modelos fracassados segundo os quais 20% da cidade vêem com desdém os restantes miseráveis”, critica. O importante, para Peñalosa, é saber por que as cidades vêm sendo projetadas em torno de ruas e autopistas há tanto tempo.

Puxa, isso existe mesmo? Tais palavras foram proferidas por um político de verdade? Existe algo parecido aqui no Brasil? Se vocês leram o post abaixo, viram que São Paulo investiu R$ 233 milhões para construir uma ponte que não comporta pedestres e nem ciclistas, uma ponte que apenas atende aos interesses de quem possui carros.

Outro trecho da matéria:

Em lugar de alargar as ruas para os automóveis, que despreza, ou investir na construção de um metrô, que considera caro e desnecessário, Peñalosa propôs um sistema de ônibus articulados que percorrem seu trajeto em pistas exclusivas. A prefeitura financiou a construção da infra-estrutura do sistema e contratou por licitação empresas privadas para administrar as frotas e pontos de ônibus e realizar sua manutenção. O sistema, chamado Transmilenio, começou a operar em dezembro de 2000 e foi um sucesso imediato. “Custou US$300 milhões e hoje transporta 700.000 passageiros por dia”, diz Peñalosa.

Será que a gente ainda vai acordar para urgência disso tudo? Por que, afinal, só pensamos nos automóveis e suas rodovias? Será que ainda teremos tempo de transformar nossas cidades em lugares bons, aprazíveis, adequados, para a maioria que não possui automóveis e que anda a pé ou usa transporte público?

Enquanto isso, bicicleta, minha gente!

Sobre ciclismo urbano e cidadania

Posted in Uncategorized on 23 de maio de 2008 by Eduardo Luedy

Gostaria de compartilhar com vocês algumas de minhas leituras favoritas nestes últimos dias de trabalho solitário. Ou melhor dizendo, de leituras feitas durante os intervalos do trabalho solitário que é o de tentar construir uma tese (além das leituras, as transcrições de entrevistas, a coleta de dados, a análise de tudo, a articulação com o referencial teórico e a loucura toda de tirar o sono deste pobre infeliz e angustiado doutorando!).

Pois bem, eu tenho me dedicado já há algum tempo, ainda que de maneira errática, a praticar ciclismo urbano. Ou seja, tenho procurado usar minha bicicleta para me locomover na cidade de Salvador. Posso apresentar diversas razões para isso. Talvez nao consiga listar todas, porque eu nem mesmo sei porque gosto tanto de andar de bicicleta, mas vou tentar enumerar algumas das razões que me fazem aventurar-me por entre as avenidas congestionadas e confusas de Salvador.

Primeiramente, acho que tem o lado lúdico da coisa. A sensação de estar livre sobre duas rodas, deslizando suave sobre o solo. Há o vento fresco no rosto da gente, reforçando a sensação de liberdade que nao temos dentro de um automóvel, por exemplo. E como é interessante ver a cidade da perspectiva de quem está sobre uma bicicleta. Há detalhes da paisagem e, principalmente, das pessoas que a gente não percebe, pelo menos da mesma maneira, quando estamos fechados dentro de um carro.

Em segundo lugar, talvez, seja a utilidade para alguém que possui uma notória falta de vontade em fazer exercício físicos numa academia. Para me exercitar, o ciclismo tem sido uma ótima opção. E eu, a despeito de meu tradicional sedentarismo, tenho ido longe. Para quem conhece Salvador e sabe de suas ladeiras, eu tenho subido várias – ladeira da Barra, a Oito de dezembro, a Av. Princesa Isabel, a ladeira do morro do Gavazza. Outro dia subi a ladeira do Carmo. Enfim, estou surpreso com o meu desempenho sobre rodas.

Associado a tudo isto, há também uma outra razão para eu andar de bicicleta: o fato de ela ser um meio de transporte barato e não poluente. Além de contribuir para não congestionar ainda mais o já caótico trânsito de Salvador. Esta deve ser a razão que mais me anima: sinto-me mais cidadão quando ando de bicicleta. E eu sou daqueles que procura respeitar as leis de trânsito, que pára no sinal, que não anda pelas calçadas, que respeita o pedestre. A recíproca dos automóveis – os “verdadeiros” donos das ruas – contudo, não é verdadeira. É impressionante como parte dos motoristas de automóveis e dos motoristas de ônibus não respeita ciclistas. Alguns motoristas consideram-se “donos” das avenidas. Qualquer “coisa” que os atrapalhe, que os faça ter que reduzir por instantes sua marcha resoluta lhes concede o direito de manifestar seu grande incômodo: de buzinadas estridentes a fechadas violentas. É impressionante como a razão do motorista inverte tudo: é a lei do mais forte e você, ciclista ou pedestre, que saia de baixo!

Bem, ainda assim, acredito que estes sejam problemas de educação no trânsito que podem ser resolvidos, mesmo porque o nosso futuro nas grandes metrópoles terá que passar pelo uso racional dos meios de transporte não-poluentes, como as bicicletas (associados, é claro, a transportes públicos coletivos, como metrôes e ônibus). Uma cidade como São Paulo já não comporta, simplesmente, o número de carros que lá transitam diariamente. Os engarrafamentos e os custos decorrentes à saúde pública são diversos, não só por causa da poluição atmosférica que eles provocam, mas também por conta dos acidentes e de todo o stress sofrido por quem tem que passar horas diariamente dentro de automóveis, parados em congestionamentos. Salvador não está muito longe disso.

Pois bem, encontrei uns blogs maravilhosos sobre ciclismo e cidadania que gostaria de partilhar com vocês. O primeiro que eu recomendaria é o Vá de Bike, do Willian Cruz. Muito bacana mesmo! Desde as dicas de como sobreviver na selva de concreto a textos críticos sobre as cidades e seus problemas. O último post dele sobre o presente – uma bicicleta – que deu à sua mãe é lindo! A partir daí, a gente consegue passear por diversos outros blogs. Um dos quais me chamou bastante atenção: apocalipse motorizado. Os dados que apresenta sobre o número de mortos no trânsito de São Paulo (de ciclistas a motociclistas e a toda sorte de indivíduos que sucumbem à violência do trânsito paulistano) são de fazer a gente pensar: em que transformamos as nossas cidades.

Um dos textos mais bacanas que li no apocalipse motorizado foi o dedicado ao “estilingão”, o título é “um monumento à sociedade do automóvel“. Bem, para quem ainda não sabe, o “estilinguão” é o nome dado àquele ponte que, segundo os autores do blog, é “o maior símbolo da São Paulo higienista, especuladora, corrupta e voltada ao transporte individual”. Mais uma vez: vale a leitura. O que significa dizer: “don’t trust the hype”, ou seja, não confie na mídia. O que a gente lê/vê nos noticiários pode não corresponder àquilo que a gente acredita e quer para uma cidade.

Confiram um trecho:

O estilingão custou R$233 milhões. Dinheiro suficiente para construir 1000 quilômetros de ciclovias em São Paulo ou então para fazer a ligação por trilhos entre o aeroporto de Congonhas e o metrô. Também poderia ser usado para manter faixas de pedestre pintadas em todas as esquinas da capital durante uma década, construir 100 quilômetros de corredores de ônibus ou muitas praças.

E mais outro:

À esquerda da praça, o quilombo remanescente das estripulias de Maluf, Marinho e Cia: a favela Jardim Edith, construída em 1973 e hoje esmagada entre os arranha-céus de vidro e a nova ponte.

As 450 famílias que moram no quilombo urbano já sabem que o futuro é cinza como a ponte. Substituindo o termo “especulação” por “revitalização”, “reurbanização” ou “readequação”, o poder público já declarou: vão ter que sair.

Pelas moradias, construídas em área pertencente ao DER (ironicamente o Departamento Estadual de Estradas de Rodagem), a prefeitura oferece entre R$ 5 mil e R$ 8 mil para cada família. Talvez fosse um valor decente em 1973, quando os primeiros barracos foram construídos na região desabitada. 35 anos depois, é um insulto.

Enfim, pode ser assustador constatar em que estamos nos tornando. Pode ser incômodo perceber o que estamos permitindo que aconteça, como se não estivéssemos simplesmente capitulando, já que nem mais nos damos conta de que as cidades em que vivemos também são nossas. Encapsulados dentro de nossos carros queremos acreditar que a solução é ampliar avenidas, construir cada vez mais espaços para automóveis. O estilinguão paulistano proíbe pedestres e ciclistas – um verdadeiro monumento ao individualismo dos automóveis; além disso deverá expulsar moradores pobres, em nome de uma “revitalização” (leia-se “higienização”) das avenidas, para favorecer a especulação imobiliária. Em quê nos tornamos?

A “justiça do vídeo” ou a pedagogia da tv

Posted in Uncategorized on 9 de maio de 2008 by Eduardo Luedy

Caso Isabella, o cárcere privado de uma família na Áustria, que envolvia também o incesto entre pai e filha; Ronaldinho e os travestis; cenas de sexo (mostradas ad nauseum por uma tv local, aqui em Salvador, obtidas por intermédio de uma câmara escondida) flagrando uma babá, pobre e negra, com seu (suposto) namorado, de classe média e branco, defronte da criança que deveria estar sendo cuidada por aquela babá; as declarações preconceituosas do (já) ex-coordenador do curso de medicina da Ufba, que afirmou que “baiano toca berimbau porque tem uma corda só, se tivesse mais, não tocaria”, o que para ele era uma demonstração inequívoca não só da (pouca) inteligência dos baianos, mas também de como a cultura local, popular, atrapalhava o desempenho dos alunos do curso de medicina em avaliações nacionais (no caso, o ENADE). Notícias que nos assaltaram nestes últimos dias.

A espetacularização promovida pelos meios de comunicação de massa, principalmente a tv, destes fatos, transformam-nos em verdadeiros eventos midiáticos. E isso pelos motivos mais conhecidos da garantia da audiência e, consequentemente, dos ganhos materiais daí advindos. O que nos deveria levar ao questionamento da problemática representação dos fatos, por estes meios de comunicação, tão envolvidos na produção dos eventos que supostamente cobrem “objetivamente”.

Citaria, por exemplo, a condenação prévia do casal Nardoni-Jatobá, já condenados para a opinião pública, mediante a antecipação e publicização de informações contidas em laudos que deveriam ser sigilosos. Algo bastante representativo daquilo que McLaren chama de a “justiça do vídeo”, cujos efeitos puderam ser vistos, por exemplo, na catastrófica cobertura da Escola Base, em São Paulo e, agora, na catarse coletiva que reuniu quase 1000 pessoas para ver – e quem sabe linchar – o casal Nardoni -Jatobá, quando da decretação de prisão preventiva dos dois, agora formalmente acusados de terem matado a menina Isabella.

Mais importante do que qualquer tentativa de fornecer aos telespectadores uma possibilidade de leitura mais crítica acerca dos eventos que a própria mídia pauta e trata de fazer circular, o que temos, além da busca desenfreada pela audiência e pelo lucro, talvez mais importante até que os ganhos materiais, seja mesmo a produção de sentidos envolvidos no processo de bombardeamento de informações e imagens prenhes de significado. Até porque através da garantia de que os sentidos e significados serão apreendidos, o consenso poderá nos conduzir de maneira mais efetiva ao consumo. Claro que o processo é muito mais complexo do que estou tentando descrever, mas a lógica me parece mesmo ser esta. Produz-se ou potencializa-se e medo, o pânico, e daí vendem-se com maior facilidade as promessas de segurança e conforto.

A sensação de quem, como eu que gosta de televisão, mas que está passando mais tempo do que o habitual defronte dela (por estar mais disponível para ela, em função de ter de estar mais tempo em casa, por estar tendo de escrever uma tese), tem me feito pensar sobre os efeitos profundos que o tempo de exposição às imagens, textos e significados contidos em seus programas exerce sobre todos nós.

No meio de toda essa sensação desconfortável de que estamos vivendo num mundo que admira e se compraz com cenas violentas, chamou-me a atenção o caso Ronaldinho. Mais do que tudo, chamou-me a atenção o alívio da rede globo quando pôde finalmente divulgar que Ronaldinho não havia transado efetivamente com os travestis. Pena. A mídia de massa poderia ter aproveitado a situação para contribuir para a diminuição do preconceito contra homossexuais, travestis e transgêneros. [Apesar de que Rogéria, nosso transgênero mais famoso, estivesse outro domingo no programa do Faustão, recebendo homenagens merecidas a seu talento e à sua história]. O fato é Ronaldinho fez o que muitos homens, casados dentre eles, que se assumem heterossexuais, fazem – procuram travestis para atender a seus desejos homoeróticos. Não teria sido uma boa oportunidade para discutir isso? Para desfazer preconceitos?
Não vi ainda o GGB se pronunciar, mas acho que a discussão mais séria, mais pedagógica, por parte dos méis de comunicação de massa ainda está por vir.

Giroux e o “Segredo”

Posted in Uncategorized on 28 de abril de 2008 by Eduardo Luedy

Estava sem inspiração para escrever algo de interesse, algo que julgasse relevante, para este blog. Foi quando me deparei com esta passagem, escrita por um dos meus intelectuais prediletos, Henry A. Giroux:

“Na medida em que a cidadania se torna mais privatizada, e os estudantes são cada vez mais educados para se tornarem sujeitos consumidores em vez de sujeitos sociais críticos, torna-se completamente imperativo que os educadores repensem a maneira como a força educacional da cultura opera para garantir e resistir a identidades e valores particulares” (Giroux, 2003, p.85).

As palavras de Giroux me parecem traduzir situações educacionais que são óbvias demais. Tão óbvias que já não nos parece fazer sentido algum contestá-las. De fato, o consenso em torno da maneira como concebemos a educação escolar – basicamente uma plataforma para que nossos estudantes possam competir mais efetivamente na busca por melhores posições no mercado de trabalho – já se encontra perfeitamente naturalizado para a maioria de nós, consumidores, de educação.

O restante do texto também vale a pena ser citado:

“Isso é especialmente importante quando a força da cultura dominante é definida por meio de sua submissão aos valores da economia, com sua ênfase na privatização e no evangelho da auto-ajuda, que funciona para enfraquecer as noções de bem público e de responsabilidade coletiva e colocar a culpa pela injustiça e pela opressão inteiramente nos ombros daqueles que são vítimas do infortúnio social” (Giroux, 2003, p.87-88).

Novamente: me chama a atenção a sagacidade de Giroux ao nos tornar problemático aquilo que já se faz tão “natural”: a privatização não deveria ser um caminho sem volta. A privatização da educação pode (e, de fato, tem) representado um esvaziamento do sentido de democracia participativa e crítica em nossa sociedade. E, o que mais me animou a citá-lo aqui, a menção aos pressupostos e às implicações conservadoras dos discursos da “auto-ajuda”. Principalmente no discurso educacional, este novo “evangelho” tem contribuído sobremaneira para realizar justamente aquilo que Giroux nos aponta: “colocar a culpa pela injustiça e pela opressão nos ombros daqueles que são vítimas do infortúnio social”.

Pois é. Acho que nunca gostei tanto de confirmar aquilo que eu já suspeitava, mas que não conseguia desenvolver de maneira tão clara. Assisti outro dia a uma cópia (pirata) daquele filme de auto-ajuda, O segredo”, e meu incômodo foi imenso, porque o livro homônimo e o filme parecem fazer enorme sucesso, parecem mobilizar um público amplo que encontra conforto para suas angústias existenciais. No entanto, a crença na “mentalização positiva” como solução para os males do mundo reifica a já conhecida e “natural” crença neo-liberal no sucesso individual. O lema é atingir o sucesso. E o “segredo” é que tudo isto depende da força dos bons pensamentos. O mundo ficará melhor assim. Obviamente, aqueles que fracassam, são aqueles incapazes de desenvolver bons pensamentos. Talvez não sejam até dignos de conhecer o tal “segredo”. O fato é que, através desta literatura de auto-ajuda, somos muito facilmente levados a acreditar que os infortúnios sociais devem ser creditados apenas às incapacidades individuais, ou à falta de maior empenho de cada um; nada que tenha a ver com um entendimento de que situações de opressão e injustiça social podem e devem ser compreendidas em função de relações desiguais de poder. No entanto, se há sofrimento no mundo, para os detentores d’O Segredo, tudo não passa de uma questão individual, de natureza privada.

Referência:

Giroux, Henry A. 2003. Atos Impuros: a prática política dos Estudos Culturais. Porto Alegre: Artmed.

Racismo

Posted in Sem categoria on 16 de abril de 2008 by Eduardo Luedy

Ha um texto muito intensamente bonito no blog de meu amigo Nelson Maca. Escrito com a paixão de sempre, denuncia o quanto o racismo por aqui (falo de Salvador, uma cidade negra!) ainda está longe de ser uma ficção.

Leiam o texto. Cliquem aqui.

Luedy

“Rock é rock mesmo”: um texto antigo sobre verdade e preconceito

Posted in Uncategorized on 16 de abril de 2008 by Eduardo Luedy

O texto a seguir foi publicado, em 2005, nos comments de um blog daqui da Salvador (ou criado a partir daqui), no qual eu costumava travar verdadeiras batalhas culturais (e que acho que me serviram de inspiração para escrever aquele outro post sobre crítica e preconceito). Para as tais batalhas, eu costumava levar meu cavalo-de-batalha preferido: o questionamento dos discursos, ou mais precisamente, dos pressupostos subjacentes às verdades que habitavam de maneira tranquila os discursos sobre música e arte. Principalmente a naturalização de certas “verdades” sobre música e “bom-gosto”.

O que, para tantos dos meus presumíveis “pares” – falo dos aficcionados por música popular em geral, e rock em particular -, era mesmo um cavalo-de-tróia. Frequentemente era tomado como um “Invasor”, ou como um “traidor” da causa da “boa música” e do “Rock” – este definido em termos daquilo que aqueles aficcionado assumiam como “boa música”. Claro que eu levava tudo muito à sério. Mas me divirtia à beça também.

Para uma melhor compreensão da dimensão da coisa, tecomendo a leitura dos comments ao meu texto (no blog ClashCityRockers). A reação violência ao meu texto é muito reveladora de como um certo grupo social (constituído em torno de certas práticas e gostos musicais) atribui valor à música e às artes e define-se muito também pela negação (muitas vezes violenta) a certos gêneros e práticas. Mas, sobretudo, são testemunhos da imensa importância que as práticas culturais e as atividades de lazer (também atreladas a tais práticas) assumem para tantos de nós.

Bem, segue o texto.

“Eu gostava muito de João Gilberto. Eu gostava muito. […] Passei dois anos na CBS como produtor de discos de Jerry Adriani, de Wanderléia, daquela coisa toda de iê iê iê. […] Foi uma vivência fantástica pra mim. Aprendi muito a comunicar. […] Bossa-nova era no Teatro Vila Velha. Era uma coisa bem separada mesmo. Existia um conjunto lá, a orquestra de Carlito, com Caetano e Gil. E existia os Panteras. Duas coisas completamente diversas. Mas no fundo eu acho que tava todo mundo querendo chegar à mesma coisa, era só problema de linguagem. […] Desde o tempo da Tropicália que a gente começou a ver que era isso mesmo, que todo mundo queria a mesma coisa. […] Acho que Caetano tá sabendo o que ele tá fazendo. Ele sabe exatamente. […] Eu acho que tanto Caetano como Gil, embora sendo trabalhos diferentes, são incríveis. […] É claro, porque eu sofri muito a influência de Caetano e Gil. Isso é óbvio. Porque eu cheguei fazendo aquela coisa meio hermética, foi Caetano que abriu, e Gil fazendo aquela coisa.” [Raul Seixas, novembro de 1973.]

“Eu quero mesmo é cantar iê iê iê/ eu quero mesmo é gostar de você/ eu quero mesmo é falar de amor/ eu quero mesmo é sentir seu calor”. [“Eu quero mesmo”, faixa do disco “o dia em que a terra parou” de 1977.]

As citações a Raul, daí de cima são de paquito. Ele havia me dito que iria mandar um trecho de uma entrevista de raul que servisse de contraponto aos comentários ao texto que ele escreveu sobre a jovem guarda lá no blog http://www.rockloco.blogspot.com/ em 19 de julho de 2005).

Bem, ainda que atrasado, e ainda que deslocado – uma vez que a discussão deveria estar se dando no Blog do rock loco e não aqui [estava me referindo ao blog no qual postei o presente texto] – eu queria apresentar alguns argumentos meus aos debates.

Mas voltando à vaca fria: eu queria dizer que mais que o texto de paquito – que busca colocar o rock e a música pop brasileiras numa perspectiva histórica que é muitas vezes ignorada por estas plagas (rockloco, clashcityrockers) – foram certas observações contrárias ao seu texto que me animaram a escrever o que agora escrevo.

É que a gente percebe como na recusa de alguns ao direito de certas manifestações se abrigarem sob os rótulos “rock” e “pop”, como estes gêneros são compreendidos e definidos, Ainda que por exclusão. Ou seja, “rock não é isso”; “pop não é aquilo”.

De maneira geral, nos comentários discordantes ao texto de paquito, há uma bronca com definições consideradas espúrias acerca do que é pop ou rock. Assim, para alguns, tropicalismo não é nem nunca foi pop. Roberto Carlos e a jovem guarda não podem ser tidos como rock. No máximo um roque incipiente, um proto-rock, fruto apenas de nosso subdesenvolvimento. Nada a ver com a “essência” do que é o rock de verdade.

Deixem-me divagar um pouco acerca de nossas assertivas. Do ponto de vista linguistico-discursivo, estamos, enquanto sujeitos históricos, irremediavelmente implicados na descrição das realidades que buscamos descrever/compreender. O que implica dizer que não só não podemos dar conta de capturar a realidade em sua totalidade (que é muito maior e mais complexa que nossas capacidades interpretativas), como também nossas definições são contingentes – ou seja, relativas ao momento histórico, político, social em que nos encontramos.

Para muitos não há como escapar disso. Falo de poder separar a descrição lingüística da realidade de seus “efeitos de realidade” – o que não quer dizer que a gente não deva tentar, mas que deveríamos ser mais cautelosos com as nossas “verdades” e menos ambiciosos com o alcance de nossas definições totalizantes.

Ora, o problema de algumas das “verdades” que leio sobre rock e música pop reside justamente na crença de que podemos capturar e descrever a realidade à sua perfeição e, portanto, de maneira totalizante, atravessando tempos e espaços, chegar à sua essência. Além do que, devido a uma falta de rigor com as leituras históricas, algumas destas “verdades” muito freqüentemente terminam por excluir de suas definições tudo aquilo que não se enquadra na visão estreita e curta daqueles que a afirmam.

Assim, um dos “efeitos de realidade” mais curiosos que já encontrei por estas plagas (mais especificamente no clashcityrockers) foi um texto de Miguel Cordeiro sobre Raul Seixas. Miguel em seu texto “inventa” um Raul que lhe convém – um radical do rock que não “misturava”, fiel a uma identidade rocker . Um ideal de pureza e de radicalismo que se traduz naquela máxima: “rock é rock mesmo”.

A tal “pureza” defendida por Miguel é bastante contestável: não só o rock já havia nascido mestiço, como o próprio Raul misturou rock com baião, cantou canções românticas aboleradas, gravou com Gilberto Gil, com Jackson do pandeiro e seu regional (faixas antológicas), misturou rock com umbanda em “mosca na sopa” etc – tudo isso sem deixar de ser rock! O que para mim demonstra que o rock pode ser tudo o que fizermos dele (sem que precisemos de uma bula ou de uma carteira de identidade fixa para compreendê-lo).

Já no blog do rock loco, nos comments ao texto de paquito, me deparei também com outras “verdades” sobre rock, Raul e sobre música pop:

“Colé paquito. vai enganar outro. jovem guarda? samba? caetano? aproveite e faça um curso intensivão com o pessoal daí do rock loco para aprender o que é rock, ok?”

“O tropicalismo nunca foi pop e sim pretensão cabeçuda de uma improvável articulação margens do Subaé – PUC/SP. E Roberto Carlos, apesar de alguns discos iluminados, sempre quis mesmo ser cantor romântico”.

Negar aos tropicalistas o fato de terem feito música pop me deixa intrigado.

Alguns discos de Gil daquele período flertavam muito intensamente com o rock e com o pop. O disco de 1969 (o que tem Volksvagem Blues), assim como o Expresso 2222, são discos lindamente roqueiros e pop. O disco tropicalista de Gal [o que tem “objeto não-identificado”, “divino maravilhoso”- que já anunciava a genialidade de Jorge Ben, ao gravar dele, e com ele ao violão, “Ele já não gosta mais de mim (que pena)” ] é também um exemplo bem interessante das possibilidades de se fazer música pop no Brasil, naquele período. A faixa de abertura do disco Tropicália “geléia geral”, assim como as canções emblemáticas daquele período: “domingo no parque” e “alegria alegria” também são. Havia ainda os lances com os Mutantes. Aquilo tudo pra mim, ainda mais considerando o contexto histórico e toda a caretice da chamada MPB, tudo aquilo era saudavelmente transgressor e pop.

E quanto a Roberto e à Jovem Guarda, o que posso dizer, nesta minha perspectiva teórica, é que se era aquilo que tínhamos como rock, era rock o que tínhamos. Não acho mesmo que a JG esteja numa posição epistemológica inferior em relação à definição última do que é o rock – mesmo porque não acredito mesmo que esta definição exista.

Enfim, para não me alongar mais, queria dizer que mais que nossas “verdades”, mais que nossas pretensões em capturar o real do real, as coisas podem e são muito mais complexas. “Rock é rock mesmo” e muito mais. Que nos digam Chico Science e Nação Zumbi, Mutantes, Raul Seixas, Roberto e Erasmo.

Luedy

A resposta da Profa. Sonia Penin

Posted in Uncategorized on 6 de abril de 2008 by Eduardo Luedy

No post anterior, “Educando à direita“, mencionei a resposta da Profa. Sonia Penin, diretora da Faculdade de Educação da USP, às declarações da secretária de educação do Estado de SP, Maria Helena Castro. Pus o texto que me enviaram por e-mail, não sei ao certo onde ele foi publicado, mas os argumentos da Sonia Penin são bastante interessantes – principalmente por discutir as maneiras simplificadoras e simplórias das leituras dos dados relativos a avaliações institucionais e educacionais feitas por supostas autoridades educacionais. Bem, o melhor é ler o texto-resposta.

Segue o texto:

Em defesa das Faculdades de Educação e da Pedagogia

Os precários resultados, sistematicamente divulgados acerca do desempenho dos alunos da escola básica brasileira, evidenciam uma situação de tal gravidade que exige de todos os agentes e instâncias responsáveis pela educação um exame rigoroso de suas causas. Para esse exame, a análise radical e a crítica consistente são instrumentos indispensáveis para a busca de um diagnóstico preciso.

É, pois, com constrangimento e inquietação, que recebemos as declarações da Secretária de Estado da Educação de São Paulo, profa. Maria Helena Guimarães de Castro (Folha de S. Paulo, 25/02/08), propondo, de forma simplista, o fechamento de todos os cursos de formação de professores/ pedagogia, especificando os das Faculdades de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e da Universidade de Campinas (Unicamp). Afirmar medida tão radical com tão poucos elementos produz um deserviço só comparável com uma política de terra arrasada, incompreensível e inadmissível no atual momento brasileiro.

Imputar aos cursos de formação inicial as dificuldades que os professores hoje enfrentam no ensino dos alunos das escolas de educação básica é de uma ligeireza inaceitável por quem deveria, minimamente, considerar o cenário socioeconômico e cultural brasileiro/paulista , as mudanças ocorridas na contemporaneidade, assim como as especificidades presentes em organizações complexas como são os nossos sistemas de ensino.

É preciso lembrar que os governos (federal, estaduais e municipais), apesar de respeitáveis esforços localizados, não têm possibilitado a transformação radical que a realidade demanda, o que é claramente identificado pela baixa proporção da educação no Produto Interno Bruto (PIB).

Em segundo lugar, e a despeito do não-crescimento da educação no PIB, ocorreu, nesses últimos anos, um movimento positivo de aumento do acesso e tempo de permanência de grande parte das crianças na escola. Esse fenômeno trouxe como conseqüência uma mudança benfazeja no perfil médio do aluno da escola pública, incorporando praticamente todo o leque de diferenciação da população brasileira. Tal diferenciação, todavia, apresentou-se para uma grande parte dos professores como uma dificuldade a mais no ensino.

Terceiro, e paralelamente à mudança no perfil médio do alunado, as mudanças da contemporaneidade trouxeram novas demandas para o ensino, uma vez que não é trivial articular em cada escola as transformações globais com aquelas que se traduzem em âmbitos singulares. Essas mudanças, de ordem socioeconômica e cultural, são suficientes para indicar que, na profissionalizaçã o docente, como em qualquer outra, o diploma não é suficiente para assegurar a adequada inserção de um profissional no trabalho. Mais propriamente, fala-se em trajetória de formação, articulando- se a formação inicial e a continuada. O próprio modelo de formação continuada precisa ser repensado, pois o geralmente adotado, sob responsabilidade inclusive da Secretaria da Educação, não tem tomado a escola real e os problemas concretos do ensino como referências centrais.

Não considerando essas questões, assusta a forma como uma secretária de Estado desagrega espaços, instituições e pessoas e se coloca numa posição bélica contra todos os cursos de pedagogia. O que é mais constrangedor, a secretária se refere especificamente a duas Universidades brasileiras reconhecidas entre as melhores em nível internacional.

No caso da Faculdade de Educação da USP, a contribuição que tem prestado à educação paulista pode ser comprovada pelo volume e pela qualidade da pesquisa que realiza, pelas produções qualificadas (783 no último triênio), em grande parte publicadas em periódicos internacionais, e pela qualidade dos profissionais que forma, reconhecidamente competentes, críticos, muitos deles assumindo posições de liderança em diferentes instituições.

Supor que um curso de formação profissional em nível superior, como sugere a secretária, deva tratar das reais demandas das escolas sem um embasamento teoricamente rigoroso é temerário e fatal para o enfrentamento competente da problemática educacional brasileira atual e futura. O trabalho numa realidade complexa está condenado ao fracasso ou à mediocridade se não se apoiar numa análise teórica e historicamente consistente. Teoria e prática, articuladas, definem uma boa profissionalizaçã o, seja na formação inicial, seja na continuada. A prática no curso de pedagogia é principalmente viabilizada pelos estágios, que, na FEUSP, correspondem a 20% do currículo.

Tendo como missão formar pedagogos e professores competentes, críticos e socialmente responsáveis visando a melhoria da escolarização das nossas crianças e jovens, os profissionais desta Faculdade de Educação se propõem à interlocução sistemática e crítica com os diferentes atores que conduzem a educação brasileira.

Sonia Penin é professora titular e diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – USP

Educando à direita

Posted in Uncategorized on 6 de abril de 2008 by Eduardo Luedy

O novo post é sobre a entrevista que Maria Helena Guimarães de Castro, secretária de educação do estado de São Paulo deu à revista Veja [edição de 13 de fevereiro de 2008, n. 2047]. Seus pressupostos conservadores e suas implicações reacionárias caracterizam bem aquilo que podemos chamar de “educação à direita” [a menção ao livro de Michael Apple, Educando à Direita (2003), é intencional].

Devo mencionar que tomei conhecimento da tal entrevista a partir do texto-resposta de autoria da profa. Sonia Penin [diretora da Faculdade de Educação da USP], contra as declarações da secretária, que me enviaram por e-mail. A partir daí, busquei localizar na internet a entrevista da secretária. Minha primeira busca, contudo, conduziu-me ao blog do nosso ex-ministro da educação (e atual deputado tucano) Paulo Renato de Souza.

A leitura do que ele escreve não deixou de ser interessante, uma vez que Paulo Renato exulta com o discurso da secretária – uma entrevista, segundo ele, “de encher os olhos”. Vejam um trecho:

“De forma cáustica, ela [a secretária] mostra que prevalece um tipo de curso de pedagogia teoricista e sem vínculo com o mundo real das escolas públicas. Prioriza-se o discurso ideológico sobre o papel transformador do ensino, mas não se ensina aos futuros professores os aspectos básicos da didática […]. Por este caminho, as faculdades de Educação podem estar formando bons humanistas, mas não necessariamente professores aptos para sua missão de ensinar aos alunos” [grifos meus].

Não deveria estranhar que o entusiasmo do Paulo Renato, ao exortar a “belíssima entrevista” da Maria Helena Guimarães de Castro, não atentasse para (e nem lamentasse) o fato de que a secretária houvesse diminuído a carga horária das humanidades nas escolas de educação básica de São Paulo [através da Resolução nº 92/07, da Secretaria de Educação do Estado, que veta a obrigatoriedade do ensino da disciplina sociologia aos estudantes de escolas públicas]. Filosofia e sociologia, nesta perspectiva tecnicista, são luxos desnecessários – tanto para a formação de professores quanto para a formação de nossos alunos e alunas da Educação Básica – uma vez que o que importa, no final das contas, parece mesmo ser a preparação para o “mundo do trabalho”.

Não deveríamos nos espantar, tampouco, se o ex-ministro endossasse a defesa que a secretária faz da centralização dos currículos escolares – a serem elaborados por autoridades mais competentes do que os professores e professoras das escolas brasileiras, certamente.

Mas é preciso dar voz à secretária. Vejamos um trecho que colhi de sua entrevista à Veja:

“Num mundo ideal, eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero. Isso porque se consagrou no Brasil um tipo de curso de pedagogia voltado para assuntos exclusivamente teóricos, sem nenhuma conexão com as escolas públicas e suas reais demandas. Esse é um modelo equivocado. No dia-a-dia, os alunos de pedagogia se perdem em longas discussões sobre as grandes questões do universo e os maiores pensadores da humanidade, mas ignoram o básico sobre didática. As faculdades de educação estão muito preocupadas com um discurso ideológico sobre as múltiplas funções transformadoras do ensino. Elas deixam em segundo plano evidências científicas sobre as práticas pedagógicas que de fato funcionam no Brasil e no mundo” [grifos meus].

Para a Maria Helena, que imputa aos professores a responsabilidade pela “precariedade” de nossa situação educacional, a solução para todo este cenário reside na didática – bem entendida, aquela que se concebe a priori e que deve funcionar in abstracto. Aliás, a própria pedagogia deve ser compreendida como uma técnica de ensino aplicável, também in abstracto, independentemente de contexto, “no Brasil e no mundo”. Dimensões políticas e ideológicas de tais práticas não deveriam ser assunto dos cursos de formação de professores. [Não é uma maravilha perceber como um discurso que se pretende eminentemente técnico, neutro e desinteressado revela seus contornos ideológicos?]

Outra coisa que chama a atenção em seu discurso é a menção a “reais demandas” da educação pública. A secretária afirma que estas deveriam ser prioridades para as políticas educacionais. Nesta perspectiva tecnicista, que crê na importância de se diminuir a teoria para aumentar a eficiência, as “reais demandas” só podem e só devem ser compreendidas pela ótica daqueles a quem é dada a autoridade e, consequentemente, o direito de defini-las como “demandas reais”. Em outros termos, a “realidade” das demandas pertence àqueles que detém maior poder material e simbólico em nossa sociedade.

Toda esta minha bronca, contudo, para com o discurso conservador da secretária pode parecer uma bobagem inútil, dada a crença (quase) hegemônica na importância da eficiência técnica, na maximização econômica e no discurso da competência e da competitividade.

Refiro-me, aqui, à defesa de que, ao contrário do que diz a secretária, nossos discursos e ações pedagógicas sejam desenvolvidos no interior de práticas sociais concretas, cujas “reais demandas” sejam situadas e compreendidas de maneira dialógica, atenta às expectativas, pontos de vista e experiências culturais e sociais daqueles a quem buscamos destinar nossos projetos políticos-pedagógicos.

Refiro-me também à necessidade de se resistir à tentativa de reduzir a pedagogia a mero treinamento e, consequentemente, à homogeneização e alienação de nossos alunos e alunas – hoje convencidos de que devem preparar-se apenas para competir e conquistar uma vaga num “mundo de trabalho” extremamente excludente e injusto para a maior parcela de nossa sociedade.

No entanto, o que nos resta, então? O que faremos para além de constatar este movimento à direita – que se assoma a nós, hoje, como algo inevitável – em educação? O que nos resta quando constatamos não só o quão insidioso este discurso reacionário é para tantos de nós, mas também o quão inescapável parece ser o consenso em torno dele?

As respostas podem ser múltiplas (e me agrada que, de fato, elas assim possam ser), mas, quaisquer que sejam, elas me parecem quase sempre fracas para modificar o quadro geral em que nos encontramos.

Encerrar o post assim de modo tão melancólico, apenas talvez me comprazendo por não gostar de fazer parte disso, por poder ter assunto para manifestar minha diferença e minha revolta, acreditem, mais me angustia do que anima. Principalmente porque não sei como propor algo de concreto que possa reverter esse movimento. Conseguiremos algum dia?

Eduardo Luedy

ps. Há uma análise bem interessante do discurso da Maria Helena Castro Guimarães, feita pelo Paulo Ghiraldelli Jr., e que se encontra em seu blog.

ps2. para quem quiser saber um pouco mais sobre a resolução que veta a obrigatoriedade do ensino de sociologia e filosofia nas escolas públicas de São Paulo, leia o blog do Ivan Valente [e assine o manifesto contrário à tal resolução].

ps3. para quem quiser se assombrar com o discurso de direita, ou apenas se comprazer em verificar como os argumentos de certas autoridades em educação merecem ser desautorizados, simplesmente porque são argumentos primários demais para serem verdadeiros [e eles são!], leia o blog do Simon Schwartzman. Mas não deixe de ler, nos comentários, a contra-argumentação muito bem fundamentada de um rapaz chamado Leonardo Barbosa e Silva – algo que nos anima verdadeiramente.

A referência ao trabalho de Apple é:

Apple, Michael. Educando à direita. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire, 2003.